sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A quem você serve?


“A renúncia e a resignação são a fonte de sua desgraça” – Jean François Brient...

Esta afirmação seria o suficiente para definir o documentário “A Servidão Moderna” (De la Servitude Moderne, do título em francês), mas a frase tão contundente é tão vaga diante das imagens e do discurso que as acompanham.

A crítica à uma sociedade inerte perante sua dominação não poupa toda a estrutura social que nos envolve e nem as tentativas de romper com esse sistema - são estas falhas ou conduzem ao caos. É proposto então uma discussão e em tom vocativo, “A Servidão...” nos convida para debater sobre um futuro pessimista. Jean e Victor León Fuentes não falam de flores.

Por não pouparem ninguém em absoluto, todas as camadas dominantes de cada uma das sociedades do mundo globalizado impõem por sua ideologia e seu discurso, seu poder e colocam quem as serve como subordinados. A relação de quem manda e quem obedece é antagônica ao modelo democrático da propaganda e da “palavra de ordem” do mundo ocidental que tenta vender um modelo “respeitador” das individualidades. Vende-se uma unificação de valores que todos compram a peso de ouro quando recebe-se para conquistá-lo uma recompensa inversamente proporcional diante do suor e do máximo esforço. Valores estes mascarados de universais e da imagem “positiva” de que o mundo está ficando cada vez menor.

Aliada a toda essa convenção, está uma sociedade de consumo utilizando-se pela propaganda um modelo de sucesso imposto sob alienação e que todos que querem dizer-se felizes devem aceitar e seguir. A própria colocação da felicidade como “não subjetiva” já desrespeita o princípio de sermos diferentes em essência; não desiguais, porém.

Religiões e crenças completam esse quadro negativo por junção a política ou por assumir o papel desta nas regiões da Terra onde não existe um estado laico. Independentemente de um modelo ou de outro a estrutura de dominação pelo discurso e a imagem de um líder e de total obediência e doutrina a este alimenta cada vez mais a inércia de quem tem medo da ruptura.

O documentário também deixa bem claro a inutilidade da crítica por crítica e seu papel de divisor das camadas sociais por fazer por confronto – na maior das vezes travestido de luta – em vez do debate das idéias, a união e a convergência que contesta o conformismo e a dominação. Há também um alerta de conseqüências catastróficas do poder vigilante e consciente da presença de uma militância, que por punhos e não com o cérebro, quer tomar o seu lugar. Essa neo-esquerda leva o mesmo tapa na cara que a direita e em companhia destas, os que se dizem “sem partido”.

O tom da película é sóbrio e introspectivo. A trilha de fundo alcança quase que hipnoticamente o objetivo de pegar pelas mãos o seu espectador e conduzi-lo ao pensamento filosófico e ao desprendimento de seus pré-conceitos. As imagens se apropriam dos ícones máximos do mundo globalizado (a internet, as grandes corporações, megalópoles e os pontos mais distantes do globo conectados a tudo isso). Os grandes pensadores e suas frases marcam presença na ilustração dos temas abordados, enriquecendo a produção e a reflexão de quem aprecia inquieto ao documentário.

Vale muito a pena como esforço por pedido de “pare e pense”. Entretanto, como observador e crítico de comunicação estou consciente de qualquer palavra não é imparcial e “A Servidão Moderna” não seria uma exceção. Porém, cumpre o seu papel enquanto proposta de debate ideológico e ainda introspectivo, vê-lo em uma sala cheia de pessoas e observá-las no tocante à suas reações torna-se uma experiência interessante.

Terminado o filme, por conformismo – e por contradição ao tema – todos se levantam a história se repete...

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Achei conveniente ao tema a tradução de "Head Like A Hole", do Nine Inch Nails

"Cabeça Como Um Buraco"
Deus do dinheiro farei qualquer coisa por você
Deus do dinheiro só me diga o que você quer de mim
Deus do dinheiro me pregue contra a parede
Deus do dinheiro não quero tudo que ele quer

Não, você não pode tirá-lo
Não, não você não pode tirá-lo
(Não, você não pode tirá-lo de mim)

Cabeça como um buraco
Escura como a sua alma
Eu prefiro morrer do que lhe dar o controle
Cabeça como um buraco
Escura como a sua alma
Eu prefiro morrer do que lhe dar o controle

Curve-se diante de quem você serve
Você terá o que merece

Deus do dinheiro não está procurando pela cura
Deus do dinheiro não está se importando com a doença entre a pureza
Deus do dinheiro, vamos lá dançando de volta pra ofender
Deus do dinheiro não é o único que escolhe

Não, você não pode tirá-lo
Não, não você não pode tirá-lo
Não, você não pode tirá-lo de mim

Cabeça como um buraco
Escura como a sua alma
Eu prefiro morrer do que lhe dar o controle
Cabeça como um buraco
Escura como a sua alma
Eu prefiro morrer do que lhe dar o controle

Curve-se diante de quem você serve
Você terá o que merece
Você sabe quem você é

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Brincadeira de criança, como é bom...


Uma nova guerra ganha as telas do cinema neste final de semana. Como foi com o primeiro, a sequência de “Tropa de Elite” causa frisson na grande mídia e leva multidões as salas de cinema. Ontem ao voltar de ônibus para casa ouço vários “da hora” disparados por “manos” que certamente por uma questão que vai além da semiótica nem devem saber o real propósito do autor. A saber, por Martine Joly que escreve sobre Teoria da Imagem, o cinema como arte excerce uma função emotiva tendo seu foco maior no emissor, no caso o diretor José Padilha.
No entanto cabe também ao receptor sua liberdade de julgar e tentar entender por sua livre interpretação, a intenção do seu emissor. Uma imagem também pode ser palavra ou dizer mais que mil delas, logo a representação acima com a imagem do Caveirão – carro de patrulha de policiamento do BOPE – que já fala por si só; pode carregar nele mais que a referência de presos em seu interior e sim muita polêmica. Como toda questão não se resume somente à análise da imagem e também envolve aspectos culturais e sociais, aí fica complexo determinar somente por questões icônicas porque um brinquedo causa tanta discussão.
Talvez seja mais emblemática a representação de quem é de fora do Rio de Janeiro que lá “é tiro para todos os lados” e associar essa idéia às opiniões e ai tentar descobrir de onde vem tanta polêmica. Já discuti nesse blog sobre o impacto da violência ser mais “permissiva” que o sexo. Ela entra fácil em nossas casas, enche os olhos da garotada ávida por jogos eletrônicos e cinema hollywoodiano de ação. Mas isso até essa realidade do tiroteio entrar sem pedir licença e acertar onde não devia.
Por uma avaliação de que forma e conteúdo esclarecem a “real” da imagem, tal brinquedo que é uma imagem de uma imagem de uma imagem, se apresenta na cor preta, com um ícone de uma caveira e num carro de tropa de choque. Tal associação à violência não ocorreria se a idéia que temos de polícia – miliciana diga-se – fosse a da corporação de outrora, seguidora da missão de proteger o cidadão. Ora, quando fui criança ganhei do meu pai, um católico radical, um carrinho de polícia e sempre tinha admiração por quem usava fardas. A imagem então como algo mutável e moldada à sua realidade pode causar o desconforto e a revolta e num deslocamento de espaço a sensação de respeito e admiração.
Não está claro na teoria da imagem e seus fundamentos a resposta que a sociedade precisa. No entanto ela indica um caminho e uma reflexão sobre quem somos, quem está a nosso favor e contra nós. Talvez ao nos olharmos em nossos espelhos, despidos tanto literal quanto metaforicamente encontraremos em nossos corpos a coragem para enfrentarmos o medo e daí surja uma transoformação. A brincadeira de adulto por quebrar as correntes da inversão de valores. E a gíria tipicamente carioca de que “não é brinquedo não” e na concretização desta a grande verdade devendo ser encarada de frente...
E essa discussão deve começar desde a infância.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Qualquer semelhança é mera coincidência


“Blade Runner - O Caçador de Andróides” - Ridley Scott

Ridley Scott foi um gênio dentro da ficção científica por não só colocar um novo paradigma dentro da sétima arte, mas também por ser um grande ícone do gênero ao explorar sua visão pessimista do futuro da humanidade.

Do ponto de vista da teoria da imagem, toda representação parte-se até mesmo do bíblico de que "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança" atribuido aos replicantes, uma reprodução da imagem e semelhança de seus criadores, na película, o ser humano. A construção de uma imagem que pode é claro gerar problemas e distorções. Sem nenhuma diferenciação a quem estiver apenas passando na frente da tela e ver a história, os replicantes são realmente humanos. No contexto visual, até porque nossa tecnologia ainda não cria andróides com a nossa semelhança tão verossímil, eles se assemelham a nós.

A cenografia caminha com a obscuridade de ambientes claustrofóbicos e com paisagens urbanóides nos rementendo à máxima “sozinho no meio da multidão”. Vários trechos do filme reproduzem o high-tech. Em poucas cenas o sol foi visto e este deixando o ser humano com a sensação de pequeno diante do universo, tanto do filme quanto metafórico – um grão de areia no deserto.

Analisar uma obra de arte, como o cinema exige um pouco mais de atenção - e no caso de um filme – na maior parte das vezes só é possível ao acompanhar toda sua duração de começo, meio e fim. É pela linguagem não visual possível a observação de que alguns "humanos" não são partes de nós. Estes são postos a prova num dos questionamentos do protagonista vivido por Harrisson Ford e é nesse momento em que nos deparamos com a metáfora de que "os replicantes foram feitos à nossa imagem e semelhança" que percebemos neles todos os nossos atributos. Menos o sentimento.

A grande sacada de Scott foi justamente nos colocar no dilema de que qualquer reprodução de nós mesmos jamais será tal qual "nós mesmos" – em verdade não só estética, mas adjetiva.

Do aspecto visual, embora a história seja no ano de 2016 ela não corresponde em nenhum ponto à visão que nós humanos tínhamos do ano 2000, quiçá na era da ficção de Blade Runner. Há varias referências icônicas da cultura japonesa - que sempre nos remete à tradições e ao passado - e da cultura ocidental da década de 80 mesmo. Ainda que nesta década o país do sol nascente fosse vanguarda da tecnologia eletrônica daqueles tempos.

O diretor soube também escolher o seu elenco e colocar atores certos para ilustrar a ausência de sentimentos e o figurino faz a parte de elo entre a moda da época - sem os tics retrôs de hoje - e a música eletrônica de Vangelis, como pano de fundo para a visão quase poética do romance. Tudo foi milimetricamente calculado para que esta obra de ficção fosse tão atemporal e contemporânea, podendo ser apreciada sem preconceitos por quem é ávido pelo cinema 3D em alta definição atuais. O filme, com todo e enorme respeito a Frtiz Lang, não precisou da visão expressionista para impressionar e figurar uma era pré-novo milênio. Talvez a terra de Blade Runner e Metropolis sejam universos paralelos entre um e outro, e os olhos do expectador o seu portal para transição entre eles.

Scott assume o papel da arte - sétima, diga-se - ao por nos olhos do espectador seu grande questionamento, não só sobre as indagações sobre a cibernética e da intervenção humana em nossas criações, mas por sua função emotiva de que o cinema pode e deve ser atemporal – além de ser um registro de sua época - e que tais angústias em relação ao nosso futuro estarão sempre presentes.

Por fim, o ícone da pomba, representante da paz - já praticamente símbolo por excelência – voa enquanto repousa em contraste a morte da criação humana. Seria no último suspiro de um replicante, e na exclusão de "nossa imagem e semelhança" que nós humanos estaremos libertos de NOSSA IMAGEM?