terça-feira, 5 de outubro de 2010

Qualquer semelhança é mera coincidência


“Blade Runner - O Caçador de Andróides” - Ridley Scott

Ridley Scott foi um gênio dentro da ficção científica por não só colocar um novo paradigma dentro da sétima arte, mas também por ser um grande ícone do gênero ao explorar sua visão pessimista do futuro da humanidade.

Do ponto de vista da teoria da imagem, toda representação parte-se até mesmo do bíblico de que "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança" atribuido aos replicantes, uma reprodução da imagem e semelhança de seus criadores, na película, o ser humano. A construção de uma imagem que pode é claro gerar problemas e distorções. Sem nenhuma diferenciação a quem estiver apenas passando na frente da tela e ver a história, os replicantes são realmente humanos. No contexto visual, até porque nossa tecnologia ainda não cria andróides com a nossa semelhança tão verossímil, eles se assemelham a nós.

A cenografia caminha com a obscuridade de ambientes claustrofóbicos e com paisagens urbanóides nos rementendo à máxima “sozinho no meio da multidão”. Vários trechos do filme reproduzem o high-tech. Em poucas cenas o sol foi visto e este deixando o ser humano com a sensação de pequeno diante do universo, tanto do filme quanto metafórico – um grão de areia no deserto.

Analisar uma obra de arte, como o cinema exige um pouco mais de atenção - e no caso de um filme – na maior parte das vezes só é possível ao acompanhar toda sua duração de começo, meio e fim. É pela linguagem não visual possível a observação de que alguns "humanos" não são partes de nós. Estes são postos a prova num dos questionamentos do protagonista vivido por Harrisson Ford e é nesse momento em que nos deparamos com a metáfora de que "os replicantes foram feitos à nossa imagem e semelhança" que percebemos neles todos os nossos atributos. Menos o sentimento.

A grande sacada de Scott foi justamente nos colocar no dilema de que qualquer reprodução de nós mesmos jamais será tal qual "nós mesmos" – em verdade não só estética, mas adjetiva.

Do aspecto visual, embora a história seja no ano de 2016 ela não corresponde em nenhum ponto à visão que nós humanos tínhamos do ano 2000, quiçá na era da ficção de Blade Runner. Há varias referências icônicas da cultura japonesa - que sempre nos remete à tradições e ao passado - e da cultura ocidental da década de 80 mesmo. Ainda que nesta década o país do sol nascente fosse vanguarda da tecnologia eletrônica daqueles tempos.

O diretor soube também escolher o seu elenco e colocar atores certos para ilustrar a ausência de sentimentos e o figurino faz a parte de elo entre a moda da época - sem os tics retrôs de hoje - e a música eletrônica de Vangelis, como pano de fundo para a visão quase poética do romance. Tudo foi milimetricamente calculado para que esta obra de ficção fosse tão atemporal e contemporânea, podendo ser apreciada sem preconceitos por quem é ávido pelo cinema 3D em alta definição atuais. O filme, com todo e enorme respeito a Frtiz Lang, não precisou da visão expressionista para impressionar e figurar uma era pré-novo milênio. Talvez a terra de Blade Runner e Metropolis sejam universos paralelos entre um e outro, e os olhos do expectador o seu portal para transição entre eles.

Scott assume o papel da arte - sétima, diga-se - ao por nos olhos do espectador seu grande questionamento, não só sobre as indagações sobre a cibernética e da intervenção humana em nossas criações, mas por sua função emotiva de que o cinema pode e deve ser atemporal – além de ser um registro de sua época - e que tais angústias em relação ao nosso futuro estarão sempre presentes.

Por fim, o ícone da pomba, representante da paz - já praticamente símbolo por excelência – voa enquanto repousa em contraste a morte da criação humana. Seria no último suspiro de um replicante, e na exclusão de "nossa imagem e semelhança" que nós humanos estaremos libertos de NOSSA IMAGEM?

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