segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Curtas pra curtir e refletir (Festival de curtas sobre os direitos humanos Entretodos, III Edição

O festival começa com o curta de Daniel Ribeiro o “Eu não quero voltar sozinho”. A história se foca na relação juvenil de três adolescentes, um deles cego que começa a experimentar, ainda que com as privações sensoriais da visão, o amor e a descoberta de sua homossexualidade. Sempre dependente de uma companhia para ir e vir, o garoto começa e demonstrar interesse por seu colega que o ajuda nas tarefas escolares e nos estudos fora da escola. O curta é agradável, sem grandes conflitos e a garota que acompanha o menino deficiente compreende a paixão que se desperta. Sem usar de uma linguagem muito sofisticada e com boa filmagem a película cumpre o seu papel e dá o seu recado.

A seguir é apresentado ao público da sala apertada, mas aconchegante, o trabalho do diretor pernambucano Chico Lacerda. “A Banda” começa sem áudio, e dessa forma vai se estendendo até quase o final da exibição. Imagens captadas nas ruas de Recife deixam o expectador sem saber que tipo de manifestação acontecia até que algumas imagens começam a deixar pistas de que se tratava de uma passeata da Parada do Orgulho Gay da capital pernambucana. Tornou-se, entretanto muito exaustiva a empreitada de ficar no jogo do “esconde-esconde” por parte do diretor, pois os presentes começaram a bocejar devido a ausência de sons e as imagens dos passantes ficavam intermitentes entre a certeza e a dúvida. Talvez Chico tenta tentado colocar uma discussão acerca dos estereótipos do que é ser gay e o que é ser heterossexual. Mas cansou e irritou e todos suspiraram aliviados ao término da exibição, intercalando o ato com xingamentos acerca da qualidade do trabalho, talvez mal compreendido por utilizar-se de uma câmera comum sem grandes recursos.

A Casa dos Mortos de Débora Diniz foi o ponto alto da exibição de curtas. Seus 20 minutos causaram perplexidade em mim e em todos os presentes por adentrar no mundo dos manicômios presidiários. Filmado na Bahia, a vida de vários homens se confunde na razão de estarem ali pelo fato de alguns estarem bem próximos do estado do que se pode chamar de racional. Outros, no entanto, estão ali por razões mais do que óbvias. Sem a visita de parentes, que já os abandonaram por não saber lidar com o estado mental dos seus presos, fica evidente que a vida dentro desses espaços já não pertence mais aos seus corpos. O estado de morte em vida impressiona e causa choque quando um dos presidiários não consegue nem sequer tomar mais os remédios. Outro ainda com a loucura mostra como foi suicídio de um dos habitantes do luglar. Fazer analogias nos permite aproximar estes homens dos usuários avançados de crack que habitam as ruas de São Paulo, por exemplo. É um trabalho grandioso que merecia um longa metragem documental e que com certeza seria aplaudido nos festivais de cinema. Débora Diniz foi direto ao ponto e explorou bem o seu tema.

Outra apresentação de destaque foi o curta de THEREZA JESSOUROUN. Dois mundos fala, alias não fala, pois revela a identidade (sem metáforas) de surdos mudos que tentam levar uma vida normal, até mesmo onde o sentido que lhes foi privado seria mais do que necessário para a percepção de mundo. Novamente um exemplo inclusivo, pois seus protagonistas revelam não só ser a surdez o motivo de sofrerem preconceito. Alguns são homossexuais, de classe média baixa e sem grandes perspectivas. O relato de um rapaz freqüentador de uma casa GLBT do Rio de Janeiro expõe seu lado sensorial imputado, mas que pode ser sentido nos “beats” da música eletrônica quando exibido dançando como qualquer pessoa normal. Outro rapaz que usa aparelho para audição, mostra com os efeitos da pós-produção do curta, como é o mundo sem e com o aparelho que já virou uma extensão de seu corpo. E por fim uma jovem que aprendeu a falar e que simboliza as limitações de uma fala imprecisa por parte de quem não nasceu ouvindo e falando. Também outro tema interessante e que renderia um bom material audiovisual.

Cecília Engels fecha a exibição com a história de dois homossexuais que querem ter um filho. O começo da história de “Um Par A Outro” revela um fim de noite de balada com dois homens e uma mulher entrando num apartamento visivelmente alegres (pelo uso de alguma substância que não entra em questão na película da diretora) e que acabam por fazem sexo juntos. A mulher fica grávida e um dos homens, que é companheiro afetivo do outro, se coloca como contra o aborto e ela se vê na indecisão do que fazer diante do fato. Sem grandes, mistérios o casal chega a um consenso de que quer manter e criar a nova vida, ainda em formação. Passou pela exibição de curtas sem deixar nenhum rastro de discussão por parte dos espectadores, mas não decepcionou. Talvez com alguns elementos na história sem precisar alongar demais sua exibição, tornaria a narrativa mais interessante e chamaria para a discussão sobre adoção de crianças por casais homoafetivos. Espero no próximo festival ter a uma outra visão da produção de curtas metragens no Brasil, pois desse ainda ficou a desejar um local para exibição melhor, bem como uma seleção de filmes mais bem produzidos, tanto por parte do roteiro, quanto de suas técnicas e linguagem cinematográfica.

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